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Os Incentivos Fiscais para Geração de Energia Renovável e a Reforma Tributária

Por Ana Gabriela Bueno, Beatriz Conelheiro e Carolina Romanini

 

A reforma tributária é o tema central das discussões políticas e econômicas no Brasil, onde todos aguardam pelas prometidas simplificação, transparência, justiça, cooperação e defesa do meio ambiente, princípios incluídos no texto constitucional pela Emenda nº 132/2023.

Nesse contexto de significativas mudanças, uma das áreas que pode ser significativamente impactada é o setor energético, especialmente no que concerne à tributação dos investimentos em infraestrutura de energias renováveis.

O Brasil é um dos signatários do Acordo de Paris, ratificado pelo Decreto nº 9.073/2017, tendo formalmente se comprometido em sua Contribuição Nacionalmente Determinada¹ (NDC, em inglês), dentre outras medidas, a atingir em 2030 uma redução absoluta de 53,1% na emissão de gases de efeito estufa (GEE) em comparação a 2005².

No setor energético, o país pretende que 45% de sua matriz seja composta por energias renováveis até 2030, o que inclui aumentar o uso de fontes não fósseis e garantir que, até 2030, pelo menos 23% da energia elétrica fornecida seja proveniente de fontes renováveis³.

Para atingir essa meta, o País pretende claramente continuar a se valer da extrafiscalidade dos tributos, concedendo benefícios fiscais que estimulem a expansão das infraestruturas e a instalação de fontes de energia renovável, gerando um impacto econômico positivo além de investimentos em tecnologias limpas e sustentáveis.

Exemplo de incentivos federais disponíveis para o setor destaca-se aqueles definidos na Lei n.º 11.196/2005, conhecida como “Lei do Bem”, aplicável às organizações que promovem pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica. As vantagens incluem: (a) redução de até 50% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a aquisição de máquinas e equipamentos destinados à pesquisa e desenvolvimento, além da (b) dedução de até 34% dos gastos com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação da base de cálculo do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Outro importante incentivo ao setor é o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS), estabelecido pela Lei Nº 11.484/2007. Em março de 2023 foi publicado o Decreto n.º 11.456/2023 que renovou o PADIS até 31 de dezembro de 2026 e incluiu no programa partes e peças utilizadas na fabricação de painéis solares.

Os benefícios incluem a alíquota zero de IPI para máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos novos destinados ao ativo imobilizado, alíquota zero de PIS/Cofins na aquisição de bens e serviços destinados a esses projetos, e a possibilidade de redução a zero do Imposto de Importação para matérias-primas, materiais de consumo e outros bens sem similar nacional.

Outro benefício muito caro ao setor energético é o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (REIDI), destinado a fomentar investimentos em infraestrutura, incluindo o setor energético. Instituído pela Lei nº 11.488/2007, o REIDI proporciona a suspensão da exigência da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre as receitas decorrentes de serviços e de fornecimento de bens novos destinados a obras de infraestrutura. Este regime pode ser aplicado a projetos de energia, permitindo que as empresas beneficiadas reduzam significativamente os custos associados à implantação e expansão de suas operações de geração, transmissão e distribuição de energia.

Além dos incentivos federais, o setor de energia é incentivado pelas Unidades da Federação a implementar infraestrutura para fontes renováveis. Entre os principais benefícios estaduais destacam-se as isenções e reduções de ICMS para equipamentos de energia solar e eólica, como previsto em convênios do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).

O Convênio ICMS nº 101/1997, por exemplo, reduz a base de cálculo do ICMS nas operações internas e interestaduais com equipamentos e componentes para a geração de energia solar e eólica. Na mesma linha o Convênio ICMS nº 114/2017 autoriza os estados signatários a concederem isenções do ICMS para diversos itens utilizados na geração de energia solar.

Já o Convênio ICMS nº 151/2021 autoriza os estados a concederem isenções do ICMS nas operações com máquinas, equipamentos, aparelhos e componentes destinados à geração de energia a partir do biogás.

Há, portanto, ampla gama de benefícios fiscais disponíveis para empresas interessadas em implantar ou desenvolver infraestruturas dedicadas à produção de energia no Brasil, especialmente aquelas focadas em matrizes renováveis. Esses incentivos são essenciais para fomentar investimentos em tecnologias sustentáveis, reduzindo os custos de implementação e promovendo a geração de energia limpa a partir de fontes como solar, eólica e biogás.

 

O setor energético na reforma tributária

A recente reforma tributária, aprovada pelo Congresso Nacional através da Emenda Constitucional nº 132/2024, introduz modificações significativas nos tributos incidentes sobre a implementação de infraestrutura de energia. A reforma aprovada unifica quatro tributos — ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins — em duas novas cobranças: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) no nível federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) no nível estadual e municipal.

Tais modificações geraram incertezas sobre a continuidade dos incentivos voltados à implantação de infraestruturas de energias renováveis, especialmente no que concerne à Lei do Bem e ao PADIS, ambos fundamentais para a pesquisa, desenvolvimento e produção de tecnologias voltadas à energia renovável. Caso os incentivos não fossem mantidos ou adaptados adequadamente, haveria uma desaceleração no crescimento do setor no país.

Em resposta a essas preocupações, a Emenda Constitucional nº 132/2023 buscou mitigar os impactos decorrentes do fim dos benefícios ao prever a criação de mecanismos de compensação, como o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, destinado a amortecer a transição e compensar as perdas de receitas dos estados e municípios resultantes da redução dos benefícios fiscais. No entanto, a eficácia e a suficiência desses mecanismos ainda são incertas e dependem de regulamentações futuras.

Além disso, são especialmente relevantes as modificações que ocorrerão para a instalação de infraestrutura de geração de energia e para a aquisição e/ou importação de equipamentos utilizados nesse processo.

O primeiro aspecto positivo refere-se à continuidade dos benefícios garantidos ao REIDI. O art. 104 e seguintes do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024 estabelece suspensão do IBS e da CBS para as importações e as aquisições no mercado interno de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos novos e de materiais de construção, realizadas diretamente pelos beneficiários do programa para utilização ou incorporação em obras de infraestrutura destinadas ao ativo imobilizado.

Além disso, o PLP garante a suspensão desses novos tributos nas importações de serviços destinados às obras de infraestrutura e nas aquisições, no mercado interno, de serviços destinados à incorporação ao ativo imobilizado. Fica garantida, ainda, a suspensão dos referidos tributos incidentes nas locações de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos destinados a obras de infraestrutura.

Este regime poderá ser aproveitado por Companhias do setor energético, aplicado o benefício às máquinas e equipamentos utilizados na instalação de infraestrutura de geração de energia, como turbinas eólicas, painéis solares e equipamentos hidrelétricos. A adoção desse regime é essencial para aliviar os impactos financeiros causados pela extinção de incentivos fiscais atualmente concedidos pelo ICMS, PIS e Cofins.

O texto também estabelece novos mecanismos para o ressarcimento de créditos tributários de IBS e CBS, que são essenciais para as empresas que realizam investimentos significativos em bens de capital. As Companhias poderão solicitar o ressarcimento de saldos credores ao final do período de apuração, com prazos diferenciados para contribuintes enquadrados em programas de conformidade e para os demais contribuintes, conforme determina o art. 58 do PLP.

Este aspecto é particularmente importante para o setor de geração de energia, onde os investimentos em infraestrutura são altos e os fluxos de caixa precisam ser geridos com precisão. A suspensão e possível isenção do IBS e da CBS para bens de capital utilizados na geração de energia são medidas positivas que podem compensar a extinção dos benefícios atuais.

O texto da PLP aprovado estabelece um novo benefício para o setor de energia, em especial para Companhias que atuem com geração de energia destinadas ao mercado externo. De acordo com o art. 98 e seguintes do PLP nº 68/2024, as empresas localizadas em Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) poderão contar com benefícios fiscais para a aquisição de máquinas, aparelhos, instrumentos, equipamentos, matérias-primas, de produtos intermediários e de materiais de embalagem e energia elétrica destinada à produção de energia limpa, incluindo hidrogênio e amônia verde. Este regime especial prevê a suspensão do IBS e da CBS, com possibilidade de conversão dessas suspensões em alíquota zero.

Esse benefício busca promover a competitividade das empresas exportadoras, reduzindo os custos operacionais e incentivando o uso de tecnologias sustentáveis. Adicionalmente, a proposta prevê a ampliação do rol de bens de capital que podem ser adquiridos com suspensão dos tributos, abrangendo ativos imobilizados, intangíveis e financeiros, conforme ato conjunto da União e do Comitê Gestor do IBS.

A implementação dessas medidas de desoneração fiscal no contexto das ZPEs tem como objetivo não apenas fomentar a exportação, mas também impulsionar a transição para uma matriz energética mais limpa e sustentável, alinhando-se com os compromissos ambientais assumidos pelo Brasil no âmbito político internacional e promovendo a inovação tecnológica no setor de energias renováveis.

A reforma deve garantir que os novos regimes de suspensão e desoneração sejam implementados de forma a não desincentivar os investimentos em tecnologias limpas e sustentáveis. A previsão de prazos claros pode ajudar a manter a liquidez das empresas durante o período de transição.

O texto do PLP 68 aprovado pelos deputados foi encaminhado para análise do Senado Federal, que ainda poderá realizar modificações no conteúdo aprovado pela Câmara. Todavia, há uma expectativa de que os regimes apresentados sejam mantidos, garantindo a continuidade dos benefícios atualmente disponíveis para as empresas que atuam no setor de energia renovável. A preservação desses regimes é fundamental para o cumprimento das metas de sustentabilidade assumidas pelo Brasil, promovendo um ambiente favorável ao desenvolvimento de tecnologias sustentáveis e à transição para uma matriz energética mais limpa.

Além disso, tais medidas concretizam principalmente o princípio da defesa do meio ambiente, que deve nortear o sistema tributário nacional, conforme art. 145, § 3º, do texto constitucional definido pela Emenda nº 132/2023.

 

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