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memorando – novo governo, novas medidas tributárias

O Poder Executivo publicou ontem (12/01) três Medidas Provisórias, um Decreto e uma Portaria Conjunta que implementam políticas anunciadas nas últimas semanas e alteram a legislação tributária.

  • a) Medida Provisória nº 1.158/2023: retira o COAF da alçada do Banco Central do Brasil e o transfere para o Ministério da Fazenda.
  • b) Medida Provisória nº 1.159/2023: exclui o ICMS da base de cálculo dos débitos e créditos de PIS e Cofins.
  • c) Medida Provisória nº 1.160/2023: (a) reestabelece o voto de qualidade pró-fisco no CARF; (b) autoriza a RFB a criar e estabelecer programas preventivos de autorregularização, conformidade e redução de litígios; (c) cria uma “denúncia espontânea extraordinária” até 30/04/2023; e (d) amplia o conceito contencioso de pequeno valor de 60 para 1.000 salários-mínimos, o que retira do CARF a competência para julgar processos abaixo de 1.000 salários-mínimos (R$ 1.302.000,00).
  • d) Decreto nº 11.379/2023: institui o Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais.
  • e) Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 01/2023: institui o Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal, que estabelece regras para transações excepcionais no CARF, DRJ, para contencioso de pequeno valor e débitos inscritos em dívida ativa da União.

Analisaremos de maneira sucinta cada uma dessas medidas nos itens seguintes deste Memorando.

  • a) medida provisória nº 1.158/2023 e a transferência do COAF

O COAF volta a integrar a estrutura do Ministério da Fazenda. A mudança não tem um impacto tributário imediato, mas pode aumentar a sinergia entre COAF e RFB, agora sob o mesmo Ministério, e impactar planos de fiscalização.

  • b) medida provisória nº 1.156/2023 e a exclusão do ICMS da base de cálculo de débitos e créditos de PIS e Cofins

A Medida Provisória nº 1.159/2023 introduz o inciso XIII aos §§ 3º, arts. 1º, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, para reconhecer a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. A Medida Provisória altera a legislação para prever expressamente o reconhecimento da inconstitucionalidade da tributação do imposto pelas contribuições (STF – RE nº 574.706 – Tema 69 de Repercussão Geral). O texto do novo inciso XIII usa a expressão “referentes ao valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação”, o que indica que há previsão legal somente para a exclusão do ICMS destacado em nota fiscal e a proibição de qualquer critério distinto para determinação do valor a ser excluído.

Sob o pretexto de tornar coerente o impacto do ICMS na apuração do PIS e da Cofins, a Medida Provisória nº 1.159/2023 introduziu o inciso III aos §§ 2º, arts. 3º, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, para vedar o cálculo de créditos das contribuições sobre o ICMS que incidiu na operação de aquisição. A RFB já havia tentado restringir os créditos com base no argumento de que o decidido pelo STF no RE nº 574.706 demandava a restrição, mas lhe faltava autorização legal para tanto, que passa a existir com a publicação da Medida Provisória.

Apesar de restringir aos créditos, a Medida Provisória reconhece que ela não se aplica a fatos passados e respeita a regra da anterioridade nonagesimal, pois prevê a produção de efeitos “a partir do primeiro dia do quarto mês subsequente ao de sua publicação”. Ou seja, a nova regra valida todo o crédito já apurado pelos contribuintes sobre o ICMS que onerou suas aquisições, e valida a tomada de créditos sobre aquele que onerará suas operações dentro dos próximos 90 dias.

Passados 90 dias, os contribuintes que pretendem continuar a apurar seus créditos de PIS e Cofins sobre o ICMS que onerou suas aquisições precisarão recorrer ao poder judiciário para pleitear a inconstitucionalidade da restrição.

  • c) medida provisória nº 1.160/2023, alterações no CARF e no contencioso fiscal

A Medida Provisória nº 1.160/2023 certamente contêm as mudanças mais polêmicas implementadas pelo Poder Executivo. Cada uma delas será analisada nos subitens seguintes.

c.1) revogação do voto de desempate pró-contribuinte

A Medida Provisória nº 1.160/2023 revogou o art. 19-E da Lei nº 10.522/2002, que resolvia empates de julgamento no âmbito do CARF em favor dos contribuintes. Por sua vez, o art. 1º da Medida Provisória nº 1.160/2023 determina que empates nas votações no âmbito do CARF deverão ser decididos de acordo com o art. 25, § 9º do Decreto nº 70.235/1972:

§ 9º Os cargos de Presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais serão ocupados por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que, em caso de empate, terão o voto de qualidade, e os cargos de Vice-Presidente, por representantes dos contribuintes.

O dispositivo atribui aos Presidentes das Turmas de Julgamento, ocupados por representantes da Fazenda Nacional, o voto de qualidade, que deverá ser proclamado em caso de empate. Ele não determina de maneira objetiva que o empate seja decidido de maneira favorável aos contribuintes ou fisco, mas que o Presidente da Turma terá o voto de desempate. Porém, dados estatísticos de julgamentos realizados pelo CARF antes e depois da introdução do art. 19-E da Lei nº 10.522/2002 mostram que o voto de desempate pró-contribuinte tem um papel fundamental para o aumento de casos ganhos pelos contribuintes. Portanto, a revogação do art. 19-E da Lei nº 10.522/2002 indica o retorno de um viés fiscalista no CARF e uma provável revisão da jurisprudência formada nos últimos anos.

A Medida Provisória produz efeitos imediatos, não sendo necessária sua conversão em Lei para ser aplicada, e representa o fim do voto de desempate pró-contribuinte caso o Congresso Nacional converta-a em lei. Contudo, a revogação do art. 19-E da Lei nº 10.522/2002 por meio de uma Medida Provisória pode ser questionada judicialmente, pois ela não atende ao requisito da urgência (art. 62, caput, da Constituição da República).

Além disso, o fim do voto de desempate pró-contribuinte pode ser questionado do ponto de vista substantivo, pois viola direitos e garantias constitucionais, dentre elas a garantia do contraditório (art. 5º, LV, da Constituição) e o princípio da moralidade (art. 37 da Constituição). Ele também viola regras do Código Tributário Nacional, pois os empates indicam uma dúvida objetiva acerca da legitimidade do lançamento, o que ofende a exigência de liquidez prevista no art. 142 do CTN e, no caso de infrações, a determinação expressa contida no art. 112 do CTN para interpretação da legislação da maneira mais favorável ao contribuinte.

c.2) autorização para RFB criar programas preventivos de autorregularização, conformidade e redução de litígios

O art. 2º da Medida Provisória autoriza a criação de programas preventivos de autorregularização, conformidade e redução de litígios. A RFB já vinha criando programas similares nos últimos anos, mas a previsão em Lei garante a segurança jurídica necessária aos programas e aumenta a discricionariedade da RFB para sua formatação.

c.3) “denúncia espontânea extraordinária” até 30/04/2023

O art. 3º permite que contribuintes que estavam sendo fiscalizados até a data de entrada em vigor da Medida Provisória façam, até 30/04/2023, uma “denúncia espontânea extraordinária”, e realizem o pagamento dos tributos e juros devidos, com o afastamento de multas de mora e ofício.

c.4) ampliação do conceito contencioso de pequeno valor 1.000 salários-mínimos

O art. 4º da Medida Provisória alterou o art. 27-B da Lei nº 13.988/2020 para conceituar contencioso de pequeno valor como os processos cujo lançamento fiscal ou controvérsia não ultrapassem 1.000 salários-mínimos (R$ 1.302.000,00, em valores atuais). A consequência prática imediata dessa mudança é a diminuição da quantidade de recursos que serão julgados pelo CARF, pois tais processos serão analisados apenas pelas DRJs.

A mudança é drástica, pois aumenta de 60 para 1.000 salários-mínimos o limiar para julgamentos de processos que envolvam créditos tributários federais perante o CARF. A título comparativo, o filtro de relevância criado para o STJ analisar Recursos Especiais considera 500 salários-mínimos como limiar para análise de processos. Ou seja, o CARF tem critérios mais rigorosos do que o STJ para análise de recursos, o que é claramente descabido.

Os contribuintes que se verem tolhidos do direito de recorrer ao CARF podem questionar essa restrição com base nos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e direito de petição (art. 5º, XXXIV, da Constituição).

  • d) decreto nº 1.160/2023 e o acompanhamentos de riscos fiscais judiciais

O Decreto nº 1.160/2023 cria um órgão específico para aumentar a governança do risco fiscal judicial da União, autarquias e suas fundações. Seu objetivo é aprimorar a mensuração dos riscos associados à macro litigância tributária e aprimorar a qualidade dos litígios fiscais.

A criação do Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais não tem impacto tributário imediato, pois seu principal objetivo é aprimorar o controle de passivos e passivos fiscais contingentes da União. Porém, ele pode impactar os litígios fiscais ao municiar a PGFN com dados, estratégias e planos de ação.

  • e) portaria conjunta PGFN/RFB nº 01/2023 e o programa de redução da litigiosidade fiscal

A Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 01/2023 instituiu o Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal (“PRLF”), que permite transações extraordinárias no âmbito do CARF, DRJ, contencioso de pequeno valor e débitos inscritos em dívida ativa da União.

As condições e descontos para adesão variam a depender do grau de irrecuperabilidade do crédito tributário, previstos no Capítulo II da Portaria PGFN nº 6.757/2022, e podem chegar até 100% do valor dos juros e multas. Os descontos para créditos de até 60 salários-mínimos que tenham como sujeito passivo pessoa física, microempresa ou EPP abrangem até o principal do crédito tributário, e podem chegar a 50%.

A Portaria Conjunta também permite a quitação do saldo remanescente após os descontos com Prejuízo Fiscal e Base de Cálculo Negativa de CSLL existentes até 31/12/2021.

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